terça-feira, 29 de abril de 2014

MARAGOGI

MACEIÓ A MARAGOGI

A proposta de destino escolhida por nós foi a praia de Maragogi, famosa por suas galés, as piscinas naturais que aparecem na maré baixa, e que viram uma grande diversão para os turistas. A faixa de arrecifes é muito longa na costa de quase todo o Nordeste, e muitas praias tem nas piscinas naturais, com visitação por barcos ou jangadas, sua principal atração. Seguindo apenas pela estrada teríamos mais de 130 km pela frente, mas o dia prometia boas surpresas.

Amanheceu chovendo em Maceió, mas quando partimos, pouco antes das oito horas, já não chovia, mas estava um clima mais ameno, com o sol encoberto e o vento favorável. Perfeito para pedalar, principalmente em trecho plano. Em alguns trechos deu uma garoadinha. A partir de Pajuçara, várias praias existem na sequencia: Ponta Verde, Ponta do Percevejo, Jatiúca, Cruz das Almas, Jacarecica, Guaxuma, Garça Torta, Riacho Doce, Pratagi (famosa praia da sereia), Ponta do Prego, Costa Brava, Paripueira, Sonho Verde e Tabuba.



Depois de mais de 20 km apareceu um sujeito de moto, que diminui a velocidade perto da gente, e começou a conversar, logo dizendo que também era cicloturista e não aguentou deixar de bater um papo conosco e saber qual era nosso destino. Era o Lobo. Conhecedor da região, deu ideias para nós seguirmos pelas praias, principalmente a do “carro quebrado”, quando teríamos paisagens deslumbrantes e com certeza cortaríamos caminho.


O Lobo seguiu seu caminho, dizendo que iria buscar sua companheira Dulce, que mora em Paripueira, que também estava em nosso caminho, e talvez cruzasse novamente com a gente. Logo em seguida demos uma parada, tomamos um caldo de cana, e voltamos para a estrada. Pouco depois o Lobo apareceu de novo, no sentido contrário, com a Dulce na garupa. Muito gentil ofereceu seguir na frente para indicar o local exato que deveríamos pegar. Demonstrou ter ficado preocupado com nossa demora, e então contei que tínhamos parado. Não era tão perto ainda, mas ele fez questão de nos acompanhar.

Entramos, então, como indicado, numa outra estrada, no sentido de Barra de Santo Antonio. Atravessamos a ponte e passamos para o lado da praia. Fizemos as despedidas por ali mesmo, à beira da praia, tirando, inclusive, fotografias do casal. Indicou que deveríamos seguir o quanto antes, aproveitando a maré, para lá no final, na praia do Morro, pegar uma balsa para a Barra do Camaragibe, atravessando o rio do mesmo nome. Seguimos, mas não muito tempo depois, ao chegarmos num trecho de pedras, lá vinha uma moto atrás da gente: era o Lobo. Eles não aguentaram ver a gente partir, ficaram por um tempo observando, deu uma “coceira” danada e foram atrás da gente. O espírito aventureiro bateu mais forte. Eles que já pedalaram pelos sertões do Nordeste, entre outras aventuras de bicicleta, quiseram ficar um pouco mais conosco, deixando de lado seus afazeres. Quase no final, quando paramos para um gostoso banho de mar numa daquelas praias desertas, eles pegaram um atalho e deveriam chegar a uma estradinha de areia, onde poderiam retornar sem se preocupar com a maré e passagem pelas lisas pedras da costa.



Realmente valeu à pena o percurso. As praias do Carro Quebrado, Pedra do Cebola, Ponta do Gamela e do Morro, são muito bonitas. Antes de partir, a última dica do Lobo: não precisam chegar até o final da praia, antes há um caminho de areia batida, que leva até a pequena balsa de transporte de pessoas.











Dois homens da região, também de bicicleta, seguiam na mesma direção, e também entraram no caminho indicado, deixando ainda mais claro que estávamos corretos. O barquinho logo atravessou o rio para nos pegar, e fomos os cinco, cada qual com sua bicicleta, para o outro lado, na Barra do Camaragibe, onde aproveitamos para almoçar e descansar um pouco. Nesse momento choveu bastante, mas logo o sol voltou a reinar.





Ficamos por duas horas por lá, e justamente às 14:00 continuamos nossa cicloviagem, por uma estreita estrada, de asfalto, proporcionando uma tranquila pedalada. Passamos por diversos povoados, como São Miguel dos Milagres, Porto da Rua, Tatuamunha, para, finalmente, chegarmos a Porto de Pedras. Lá atravessamos de tótótó novamente, cruzando o rio Manguaba, atingindo o Município de Japaratinga. Da praia até a vila, foram 10 km de estrada de pedra, difícil de circular de bicicleta; em alguns trechos achávamos, no cantinho, um pouco de areia, mas no geral, era muito chato; melhor era pedalar de pé. Nesse ponto encontramos com a estrada principal, a AL 465, mais 11 km e chegamos ao nosso destino. Já na entrada emparelhei com um ciclista, que também seguia pelo acostamento. Perguntei sobre uma boa e barata pousada. O Honório, esse era seu nome, logo indicou a São Francisco, apresentou seu cartão, dizendo ser garçom e também agente de passeios de barco para as piscinas. Um verdadeiro “faz tudo”. A indicação pareceu boa, negociamos o preço, e resolvemos ficar.

Depois de percorridos 101 km no dia, era hora do merecido repouso. Bicicletas lavadas, banho de piscina, arrumados, e fomos à beira da praia, onde existem várias opções de refeições. Fizemos nosso lanche e retornamos. No caminho percebemos uma escuridão na região, justamente da rua da pousada. A suspeita se confirmou e parece que somente naquela rua e algumas adjacentes, faltava energia. O proprietário, seu Francisco, já estava ligando para a companhia, que disse já haver recebido diversas reclamações, e estavam enviando funcionários para atender.

A Carmo e o Rubens acabaram por irem se deitar mais cedo, mesmo na escuridão, e eu, para variar, fiquei contando histórias para o proprietário, um funcionário, e um casal de hóspedes, o Sid e a Suzy, que com a pequena filhinha Thainá, veio de São Paulo para curtir um descanso nas belas praias do Nordeste. Era cedo ainda, por volta das vinte horas quando chegamos, e já estavam sem luz há quase uma hora. Será que voltaria energia logo? Como dormir sem ar condicionado? O tempo foi passando, e as histórias já estavam dando sono nos ouvintes e em mim também. Fui para o quarto lá pelas dez. Logo peguei no sono, pois o cansaço era grande.

Uma hora da madrugada e nada da energia; suava adoidado. Já tinha observado a Carmo ir ao banheiro por duas vezes. Ela e o Rubens também dormiam mal. Mesmo com a porta e janela abertas, não havia refresco. Ficar descoberto era ataque certo dos mosquitos; se cobrir era certeza de passar muito calor. Nosso quarto ficava na frente da pequena piscina da Pousada, e não tive dúvidas: tibum!!! Muito refrescante. Logo percebi que uma camionete com uma escada na caçamba circulava pela rua. Parou na frente da Pousada, continuou sem fazer nada; retornou e seguiu de novo. O Rubens, que nesse momento estava de pé ao meu lado, fora da piscina, disse que tinha certeza que eles estavam procurando o ponto onde houve o desligamento. Seria um procedimento muito simples, acionando a chave. Minutos depois finalmente a energia foi restabelecia. Ligamos o ar condicionado e em segundos, praticamente, já estávamos dormindo. Ufa!



MACEIÓ

LAGOA DO PAU A MACEIÓ

Sabíamos que a jornada do dia seria longa; com certeza mais de 100 km. Como combinado, partimos logo às seis da manhã. Por incrível que pareça, as coisas começaram a conspirar mais a favor: o vento mais favorável e o calor menos intenso. Pelo menos foi assim no começo, pois o trecho era plano e asfalto novinho. Vinte e quatro quilômetros depois, entramos na vila de Poxim para tomar um bom café. Não tinha, mas bebemos achocolatados com sanduba de queijo e presunto. Bebi, também, coca-cola. Sete e meia da manhã e nós bebendo refrigerante...

Percebemos, então, que foi muito bom o descanso na Lagoa do Pau. Não vislumbramos chance de um bom local para isso naqueles quilômetros todos. O perrengue começou mais adiante, quando o sol bateu mais forte, e começaram as subidas. Deixávamos o conforto do nível do mar, para subir e percorrer o alto das falésias, irregulares, com altos e baixos. O Rubens começou a se distanciar naturalmente, sem forçar; a Carmo começou a ter o “radiador” esquentado; estava “pifando”. Não conseguia sequer empurrar a bicicleta. Eu subia a ladeira, encostava minha bicicleta, descia para ajudá-la, carregando a dela. E assim foi: mais uma subida... Num determinado momento, ela parou, sentou na beirada da estrada, e praticamente me implorou para parar. – Não aguento mais; chega! Vou pegar um ônibus; vou pegar carona, não quero atrapalhar vocês, que são forte. Falava quase chorando. Com toda a paciência convenci que devíamos continuar; deixei-a descansar. Nosso estoque de líquido estava no fim. Cheguei a fazer sinal para alguns carros, mas ninguém parou. O sol realmente castigava.







Num determinado momento encontrei alguns garotos embaixo de uma árvore, pegando alguma fruta; estavam de bicicleta. Perguntei se existia algum local para comprarmos alguma água, e a resposta foi negativa; apenas no mirante. Falavam do mirante da Praia do Gunga, mais adiante uns seis quilômetros. – Tem subida ainda? – Com certeza, respondeu um deles. Mas é só embalar que ajuda. Para a Carmo isso não servia de consolo. Vi, ainda, eles conversando e dando risada, porque o pneu de uma das bicicletas estava furado. Desculpe, mas não ajudei. Naquele momento tinha que ajudar a Carmo. Mas que pesou na consciência, isso pesou.

Foram mais de 40 km de Poxim até o mirante. Para dar uma noção do perrengue pra Carmo, o Rubens chegou ao mirante 09:30; nós, 10:30. Bebemos bastante liquido, tiramos algumas fotos, e seguimos. Chegamos a cogita descer até à praia do Gunga, pegar um barco e ir até Barra de São Miguel para o almoço, mas, orientados pelos seguranças da entrada da praia, percebemos que era melhor pegar a estrada mesmo. Foi o que fizemos. Lá em Barra de São Miguel ficamos com tempo suficiente para almoço e banho de mar. Pegamos a primeira barraca de praia e nos instalamos. Só deixamos a praia por volta de 14:30.










De novo na estrada, agora restava chegar a Maceió, destino do pernoite. Estrada plana, acostamento regular, e pouco mais de 30 km depois já apontávamos na capital alagoana. Tempo bom, apenas o horizonte demonstrava que as coisas podiam mudar. Longo caminho pela orla, até chegarmos à praia de Pajuçara, onde encontramos uma pousada boa, a preço que cabia no bolso. A Carmo? Tudo bem com ela. Eu sabia que ela conseguiria, e chegou bem, depois de percorrer 95 km no dia, indicado pelo GPS.






LAGOA DO PAU

BREJO GRANDE À LAGOA DO PAU

Por apenas R$ 3,00 (três reais) por pessoa, pegamos o barquinho tótótó e atravessamos o “Velho Chico” bem perto da sua foz. Já contei isso em outro relato, quando passei por essa região em 2006, só que atravessei entre Neópolis e Penedo, mas vale à pena lembrar da emoção de cruzar esse grande rio nacional, que cruza vários estados até desaguar aqui, entre Sergipe e Alagoas. Suas águas esverdeadas são inconfundíveis. Falo isso por que já estive pedalando na Serra da Canastra, em Minas Gerais, onde fica sua nascente, isso há muitos anos, e cheguei também na parte de baixo da primeira cachoeira formada pelo rio, a Casca D’Anta, perto de São Roque de Minas.



Do outro lado a cidade de Piaçabuçú, já no Alagoas, maior que Brejo Grande, mas também uma simples vila de pescadores, que hoje também vive do turismo, principalmente daqueles que visitam a linda foz do rio São Francisco, com suas belas dunas. Logo estávamos na estrada. Cruzamos por Feliz Deserto depois de 20 km, onde nos hidratamos, coisa fundamental em cicloturismo de regiões quentes como essa. Até ali, várias praias no caminho, como Pontal do Peba, Flexeira, do Toco e Japu. A estradinha segue pouco afastada das praias, margeando as falésias, tem alguns ligeiros aclives, mas o que crescia mesmo era o calor. A jornada do dia anterior determinava naturalmente que o dia de pedalada seria mais curto.


Novas praias: do Poço, Miaí de Baixo e Miaí de Cima; depois Barreiras e, enfim, Coruripe, local previsto para Almoçar, e quem sabe até ficar por ali mesmo. Neste momento lembrei da jornada de 2006 novamente, pois foi em Miaí de Baixo que eu e a Carmo paramos para ela ir ao banheiro; entramos num pequeno comércio (armazém) e pedimos por banheiro. Dois atendentes se entreolharam e disseram que não tinha. Não aguentei e disse: - Vocês não costumam ir ao banheiro? Olharam-se novamente, desta vez mais assustados, e um deles respondeu: - É que precisa falar com a dona... Viramos as costas e fomos embora; no primeiro matinho da estrada, a Carmo fez o que queria. Aliás, sempre fizemos assim, mas...

Chegamos ao centro de Coruripe. A cidade estava em festa, aguardando o jogo de futebol da tarde, entre o seu time e o CRB, que disputam as finais do campeonato estadual. Soube mais tarde que o time ganhou; agora esperam pela segunda partida, no meio da semana, pra ver se a comemoração é completa. Boa sorte Coruripe! Almoçamos e descansamos num bom restaurante, que serviu um espeto com três tipos de carnes, que você escolhe entre quatro. Serve bem três pessoas e o preço é justo. Comemos bem. A Carmo chegou a dormir no chão do restaurante... O local é bem frequentado; chamou a atenção parte da tropa do BOPE do estado, que chegou para almoçar. Soube que estavam a serviço ali, justamente por conta do jogo da tarde.

Às duas e quinze da tarde resolvemos “levantar acampamento” e seguir mais um pouco. Menos de uma hora depois, paramos na entrada de Lagoa do Pau. Pedimos informações, principalmente de existência de pousadas mais para frente, talvez 10/20 km, que era o natural para o dia. Resposta negativa, sem muita certeza, mas a dúvida fez com que ficássemos por ali mesmo. A decisão foi acertada, como vimos no dia seguinte. Era cedo, ficamos numa pousada simples à beira da praia, preço justo, negociado. Largamos tudo e fomos para a praia, para um saudável banho de mar, caminhada e sossego. Descanso merecido. Pedalamos “apenas” 65 km no dia, mas o suficiente para garantir uma boa sequencia.


Percorrendo a praia a pé, percebendo pessoas vindo por um caminho,  descobrimos tratar-se de um rio que cruza a vila, e tem sua barra logo mais à frente. As pessoas costumam nadar em suas águas escuras, provavelmente composta de ferro, mas muito frescas. Voltamos à praia, atravessamos o rio, que naquele ponto estava bem raso, e fomos andar mais um pouco. Avistamos dois ciclistas e fui conversar com eles. Era o Ivan e o Elon. Segundo eles, começaram a pouco tempo, mas com certeza foram picados por esse “bichinho” que causa vício, o mesmo que “picou” a gente. São da região mesmo e percorriam aquelas lindas praias sempre que podiam. Com certeza, incentivados, qualquer dia estarão na estrada seguindo caminhos mais longos. Aqui, cabe a deixa para minha frase favorita: de bicicleta, quanto mais longe se vai, mais longe se quer ir.



De bicicleta, retornamos no começo da noite até a entrada da vila, junto à pista. Local para comer era muito difícil de encontrar. Conseguimos uma pequena lanchonete, comemos dois pastéis cada um; foi a nossa “janta”. O possível... Resta dormir. Negociamos a pousada sem café da manhã, pois seria servido somente a partir das oito. Preferimos sair no seco mesmo, pagar menos e sair cedo, seis da manhã. O dia seguinte reservava o pedal mais longo.