quarta-feira, 26 de dezembro de 2018

VUELTA DEL URUGUAY

VUELTA DEL URUGUAY (Volta do Uruguai)

(De 12 a 27 de novembro de 2018)

Dois meses antes desse passeio, o amigo Maurício Volpe confidenciou a vontade de dar uma volta de bicicleta pelo Uruguai. Disse que talvez sua namorada fosse, mais um casal de amigos; achava que era melhor ir pouca gente. Demorei alguns segundos apenas para dizer a ele que toparia, kkk.

Era uma programação bem "pesada", com uma quilometragem alta por dia de pedal, o que totalizaria quase 2.000 km, do Chuí ao Chuy. Pelo leste, sul, oeste e centro daquele país. 

Nossa dúvida ficava por conta da Maria do Carmo, minha esposa, que dependia de exames do seu joelho, e consulta com o ortopedista, pois vinha sentindo dores no local depois de uma pequena queda; o mesmo joelho que havia operado meses antes e já estava plenamente recuperada.

Resumo da história: ficou só para nós dois a cicloviagem. 

Muito bem, então voltamos a discutir o trajeto a percorrer, local de pernoites, etc... A ideia era ir de carro até o Chuí, deixar por lá parado até nossa volta. E foi o que fizemos.

Dia 11 de novembro, um domingo, pegamos estrada. Lembro que na sexta-feira já havia passado na casa dele pegar sua bicicleta, quando ajeitamos junto da minha dentro do carro, que é grande (tiramos apenas a roda da frente). Seis horas da manhã iniciamos a jornada, desde Curitiba, e no final da noite, com 1300 km percorridos, chegávamos ao Chuí. 

Sem descanso, já na segunda-feira, preparamos nossas bicicletas e saímos com destino ao Uruguai, cuja divisa seca fez com que percorrêssemos apenas algumas quadras...






Já na estrada fizemos os registros na imigração e seguimos nosso destino, com retas intermináveis, mas com um bom vento a favor, felizmente. Eu e o Maurício fazíamos um revezamento, de cinco em cinco quilômetros, pegando a roda um do outro, "voando baixo", com média de 25 km/h (graças ao vento, claro).

Trinta e dois quilômetros e já passávamos pelo Forte Santa Tereza, que foi construído pelos portugueses, e depois conquistado pelos espanhóis. Bonita e expressiva fortificação. Estava com suas portas fechadas para visitação, talvez por ser uma segunda-feira. Eu já conhecia, o Maurício não.













Pouco mais de 40 km depois, paramos em Castillos para almoçar. Ali já deu para entender que teríamos um pouco de dificuldade com alimentação durante a cicloviagem, pelo custo um pouco alto, e pela variedade e quantidade dos alimentos. É claro que tem entrecot, parilla, milanesa, etc..., mas falta o arroz com feijão, rs. Seguimos.

Na saída da cidade, e também no começo da outra Ruta, encontramos outros cicloturistas.



Só passamos pela entrada da praia chamada Punta Del Diablo, pois resolvemos não visitar. Estávamos na Ruta 9, mas dali daquela cidade pegamos a Ruta 16 em direção ao litoral por mais 23 km até a entrada do famoso Cabo Polonio. 

Tínhamos pensado em visitar a região, que fica cerca de 7 km da estrada em direção à praia, mas ao chegarmos, vimos que não poderíamos seguir de bicicleta, e sim de caminhão, um transporte pago e obrigatório para os turistas. Vimos horários, preços, como guardar as bicicletas, etc..., mas no final bebemos algo por ali e voltamos para a estrada, agora a Ruta 10.

 




Sempre enfrentando as longas retas, e vento a favor, 47 km depois chegávamos em La Paloma, local que previamente escolhemos para pernoitar. Encontramos abrigo num hotel no centro. A cidade estava às moscas nessa época de baixa temporada... Demos uma volta a pé, visitamos o bonito farol e só; vento que era favorável de dia, pedalando, passou a ser um estorvo, pois era muito frio, e até passou a garoar. 

No verão, soubemos que a cidade fica repleta de turistas, aumentando sua população em muitas vezes, deixando tudo mais festivo e as praias lotadas. Jantamos e fomos descansar, pois no outro dia vinha outra pauleira.



E veio mesmo. Logo no início do dia resolvemos pegar a areia da praia. Primeiro seguimos por uma rua, que virou estradinha de chão, para depois um traçado de areia fofa; então descemos para a areia da praia. Ficamos faceiros nos primeiros momentos, mas depois, com a maré mais alta e a areia fofa, já não se podia mais pedalar, passando a carregar nossas bicicletas. Estava ventando e chovendo desde a saída do hotel, mas não prejudicava a sequencia até ali.



























Já havíamos feito quase 6 km, quando percebemos que era melhor deixar a areia da praia e procurar uma estradinha paralela, que não sabíamos seu estado, mas que certamente seria melhor que empurrar. Havia marcas de cavalos na areia que também seguiam aquela direção, o que demonstrou termos feito a opção correta. Ficou mais claro ainda quando vimos que a estrada era de chão batido, muito boa para pedalar.

E foi nesse entroncamento que vimos um grupo de sete cicloturistas, sendo quatro mulheres e três homens, que depois descobrimos serem do estado de São Paulo, e que também faziam um percurso parecido com o nosso, porém com mais paradas.


Preciso fazer um parênteses agora, porque tenho de lembrar que na noite anterior fizemos questionamentos na região, e antes de sair de manhã também, sobre a possibilidade ou não de atravessarmos a barra da Laguna Rocha, que tem uma pequena abertura às vezes para o mar, e em outras fica fechada, podendo ou não ser possível atravessar com as bicicletas, porém sempre carregando-as, sem pedalar devido a areia fofa. Disseram-nos tantas coisas, como "é proibido", "tem que ter autorização pública", "vá sossegado, todo mundo faz", "esta época não dá, tem que ir pela estrada", "vá até uma colônia de pescadores e peguem um barco até o outro lado...". Chegamos a tentar ver na Prefeitura (chamam de Município), mas estava "cerrada". Quando já pensávamos em seguir pela estrada mesmo, via cidade de Rocha, bem mais longe, lembramos de comprar nossas preciosas garrafas de água. No estabelecimento perguntamos ao jovem proprietário sobre o assunto, e imediatamente ele disse: "podem seguir, é possível, permitido e única coisa é saber se irão atravessar pela praia ou por um barquinho que os pescadores utilizam para fazer isso." Decididos, seguimos pela praia mesmo até o ponto que já descrevi.

O grupo de cicloturistas paulistas, liderados pelo guia Leo, ainda era composto pela Fernanda, Sandra, Angolano David, Flávia, Andrea e Felipe (único com speed). Estavam parados e fomos na direção deles, para integração, mas, é claro, também conseguir mais alguma informação sobre a dita travessia. O Leo informou que iriam atravessar de barco, posto que no ano anterior já havia passado por lá com outro grupo e sabia como fazê-lo, muito embora acreditasse que daria para seguir pela praia a partir da colônia de pescadores.

Juntamos ao grupo e 5 km depois, pela estradinha, chegamos à pequena comunidade de pescadores. O Leo adiantou-se e negociou o preço com o pescador/barqueiro, e passamos a fazer o transporte das bicicletas para um dos barcos, para em outro ficarmos nós todos. 
Foi uma algazarra só, todos fazendo brincadeiras, mas ao mesmo tempo havia um suspense no ar, porque continuava a chover e ventar, tinha muito lodo, algas e a lagoa era muito rasa. O barqueiro empurrou nossos barcos até um local possível de navegar, impulsionado pela "rabeta". Lentamente seguimos em direção ao outro lado da lagoa, onde se iniciava uma outra estradinha.



 




Lembro que no início do trajeto, já um pouco longe mas ainda sem navegar necessariamente, observei um pequeno grupo de cicloturistas (acredito que três), passando pela estradinha, perto da vila, no sentido contrário, e claro que pensei comigo: "era possível atravessar pela praia...". Mas a coisa já estava feita, então tá.

Eu e o Maurício nos despedimos do grupo, porque eles tinham que decidir a sequencia deles, e nós seguimos nosso rumo, que naquele dia era Punta Del Este, e tinha muito chão pela frente; até aquele ponto tínhamos feito, com a travessia, apenas 14 km.



Interessante que as coisas foram mudando rapidamente, pois 13 km depois já estávamos em pista asfaltada, e a chuva diminuiu. Mas se tudo parecia ficar ótimo, veio o vento contra, que, por sua vez, felizmente, limpou o céu e trouxe o sol para acompanhar a jornada até o fim. Aproveitei até para dar uma limpada na bicicleta e no agasalho, usando água da chuva empoçada. 












Depois atravessamos a Laguna Garzon, numa interessante ponte, que se divide em duas pistas, transformando-a numa obra de arte, para então chegarmos à pequena cidade de José Ignacio, onde mais um bacana Farol desponta na praia. 

















Fizemos um pequeno passeio e depois voltamos à estrada, onde tinha um mercadinho; compramos alguns pães, frios e refrigerantes, e fizemos nossa "boquinha" por ali mesmo.

Ainda tínhamos mais 25 km até a famosa ponte da Barra, toda ondulada, e mais outros 10 km até Punta. 














Esse trecho, ao contrário do anterior, plano, tem algumas subidas de pequenos morros, ao lado das praias, mas por outro lado muito bonito, pois de longe já se avistava a bela cidade de Punta Del Este. O dia rendeu 92 km de pedal. O sol, que vibrava intensamente até a ponte da Barra, foi substituído por uma densa névoa úmida e gelada, que prejudicou a visualização de alguns monumentos, como "Los Dedos", mas mesmo assim a cidade continua muito bonita.

Trump Tower
"Los Dedos"
Ficamos surpresos com o preço dos hotéis, que nessa época de baixa temporada estava bem bom, felizmente. Passeamos de noite sossegadamente pelas belas ruas centrais da cidade, e encontramos um bom local para jantar. Tentamos contato com os paulistas, mas não conseguimos; seria a oportunidade de colocarmos o papo em dia, e contar sobre as aventuras.

Dia seguinte foi livre para passear a pé, e olha que caminhamos bastante... Mais um farol visitado também, rs. Descobrimos o local onde os paulistas estavam e fomos até lá, mas eles tinham ido passear e houve outro desencontro. Visitamos o famoso cassino do Conrad, que agora usa a bandeira "Enjoy". Só uma brincadeirinha, claro, para não passar em branco a visita pela região; não somos jogadores.











Chegou a hora de seguir até a capital, Montevidéo. Pegamos nossas bicicletas e partimos em sua direção, via Ruta 10, passando pela entrada de Punta Ballena, onde fica a famosa Casapueblo, um Clube Hotel muito famoso, onde tem um museu, de construção toda branca, tipo daquelas do mediterrâneo, que foi uma casa de verão do artista plástico e arquiteto uruguaio Carlos Páez Villaró. Estava ventando forte, contra, e pensamos em seguir direto, sem fazer essa visita, que implicaria ainda, em mais uns três quilômetros ida e volta até ela. Preferimos tocar em frente.










Mais adiante, ainda de longe, avistamos o Pan de Azucar (Pão de Açúcar), um monte de mais de 300 metros de altura, que se sobrepõe à paisagem plana. Quando chegamos mais perto foi possível tirar algumas fotos. É possível subir até ele, e dizem que tem uma vista maravilhosa de toda a região.




Perto dali já se encontra a charmosa cidade litorânea de Piriápolis, que está ficando bem badalada. Para chegar até ela, pode-se seguir pela praia de Punta Negra, estrada de chão, ou pela primeira entrada, por via asfaltada, e também, finalmente, pelo entroncamento principal, perto da cidade de Pan de Azucar, porém um percurso bem maior. Preferimos a segunda opção. Paramos na cidade para almoçar, tirar fotos, e novamente mais pedaladas... Até ali foram 42 km percorridos. Tínhamos mais 100 pela frente.


















Continuamos pela principal estrada costeira até chegarmos à Rampla. O vento forte, contra, continuava e o sol já se punha quando enfim chegamos mais perto do centro, onde ficamos hospedados num hotel mais simples. Na Rampla havia muita gente correndo, fazendo exercícios, caminhando, observando o por do sol; a cidade pulsava forte naquele momento. 



Dia difícil, cansativo, mais de 140 km percorridos, então o jeito era jantar e descansar, pois tendo em vista que nós dois conhecíamos de outra viagem a capital, resolvemos partir no dia seguinte mesmo em direção a Colônia.

A saída da cidade é complicada, passando pelo porto e pelo mercado municipal, onde entramos para dar uma olhada, mas estava tudo fechado, sem graça. O trânsito pesado de caminhões, a falta de ciclofaixa e de sinalização, deixaram o momento um pouco tenso, até atingirmos a Ruta 1.









Mercado Municipal






O pedal até Colônia seria muito difícil e extenso, então sabíamos que precisaríamos parar em algum lugar para dormir, fazendo em duas etapas, mas nas pesquisas não encontramos muita coisa. O jeito foi fazer um pedal mais curto, de 57 km até Libertad, uma pequena cidade, e pouca estrutura. A cidade é cortada pelo trecho antigo da rodovia, que foi desviada quando de sua duplicação. Naquela via encontramos um restaurante, onde paramos para almoçar e pedir informações sobre um hotel. 

Disseram que na rua principal, uma transversal, haveria um local para dormir. Sim, apenas um local para dormir, porque de hotel não tinha nada, inclusive nome... Ficamos por lá mesmo, porque seria arriscado ficar sem abrigo até chegarmos a Colônia.


Libertad é muito pequena, mas na praça principal rolava umas atividades, com um palco montado, onde no final da tarde fomos ver as atrações locais, com apresentações de grupos infantis de teatro, música, etc... Foi um jeito de descansar e passar o tempo, e de alguma forma, fazer essa interação conhecendo a cultura do interior do país.










À esquerda outro cicloturista, que viajava com a esposa











Teríamos mais um dia complicado pela frente, com uma pedalada de quase 130 km até Colônia Sacramento. Dia de sol, calor, com nuvens, vento contra, e não demorou e veio a chuva, na verdade um temporal, e como eles dizem, um "chaparróm". Estava naquele momento um pouco mais antecipado do Maurício, naqueles retões intermináveis de sempre, sobe e desce, sem local de abrigo por quilômetros. Mas percebi à frente, talvez uns 500 metros, um ponto de ônibus coberto, e aumentei as pedaladas para chegar até lá. Ufa!!! Esperei o parceiro, dando tempo para tirar uma foto dele. Ficamos um tempinho por lá até as coisas acalmarem.





Pelo menos este trecho de rodovia nos reservou boas surpresas, como a região de Nueva Helvecia, colonizada por suíços, e, é claro, produção de bons queijos; provavelmente de chocolate também. Paramos num comércio isolado da estrada, e aproveitamos para fazer hidratação e degustação de alguns queijos caseiros. Delícia!


A entrada da cidade de Colônia também é surpreendente, com colunas de árvores dos dois lados, que formam um corredor com praticamente 10 km, de belo cenário, com muitos pássaros, principalmente periquitos. Aliás, por toda a viagem vimos bandos de periquitos (provavelmente caturritas), com seus ninhos enormes encravados nelas (maioria de algum tipo de palmeira - butiazeiros). Logo entrávamos na charmosa, histórica e encantadora cidade.





Em 1680, através de D. Manoel Lobo, os portugueses marcaram o local como terras portuguesas (brasileiras), mas os espanhóis a tomaram, e a briga entre eles perdurou por anos. Mais tarde, em 1750, Colônia foi trocada pelos Sete Povos das Missões, porém mais disputas por essas terras sobrevieram até ficar o território não só de Colônia, mas de todo o Uruguai, consolidado como está até os dias atuais.

Por isso é um encanto a pequena cidade, que a pé é possível percorrer por todos seus recantos; as ruínas do forte, o farol (Faro), ruas estreitas que guardam construções de casas coloniais, barzinhos, restaurantes, comércios diversos. Tem o Porto também, que foi importante na época colonial, na troca de mercadorias entre os povos, e agora é base principal de transporte de turistas a Buenos Aires, na Argentina, do outro lado do Rio da Prata.





























A nossa programação incluía a travessia para Buenos Aires, mas checando o horário e valores, vimos que o custo/benefício seria alto, e considerando que ambos conheciam de outras viagens a capital argentina, preferimos tirar o dia de folga do pedal passeando por Colônia mesmo, e não nos arrependemos.

Hora de pegar a Ruta 21 e seguir até Carmelo, que fica 79 km de Colônia Sacramento. Foi um dia de pedal relativamente tranquilo, apesar do calor, vento ainda contra e elevação acumulada de 473 metros (melhor que os 828 metros do pedal anterior). 



























Novamente fomos agraciados na chegada da cidade, com um corredor de árvores (provavelmente álamos), que fechavam no encontro de suas copas, formando um belo túnel, que sombreava e refrescava o momento. 








Para atravessar um rio e chegar ao centro, foi preciso passar por uma linda ponte de ferro vermelha.

Carmelo é uma cidade típica do interior, e está cada vez mais recebendo visitantes estrangeiros, principalmente aqueles voltados ao enoturismo, já que muitos vinhedos estão a sua volta. Essa não é realmente a minha praia, mas para quem gosta, como o Maurício, se sente em casa.



Às margens do rio De las Vacas, que deságua no Rio da Prata, partem barcos para Tigre, na Argentina. Vimos muitos cicloturistas no pequeno atracadouro, esperando a hora para fazer essa travessia. Passeamos à beira desse rio, bem central, e que dá um charme ainda mais especial à cidade. Tem potencial para ficar mais um dia por lá, para explorar seus encantos, mas nossa previsão era seguir em frente, então "partiu".

No dia seguinte voltamos à 21 para ir até Mercedes, uma cidade um pouco maior, que fica às margens do Rio Negro, mais ao norte, 105 km de Carmelo. Mais de 500 metros de subidas, calor de 37 graus, mas com sensação de muito mais, vento desfavorável novamente. Fazer o que? Pedalar...








 Apenas até o vigésimo quinto quilômetro tinha algum recurso, quando passamos por Nueva Palmira, porque depois foi apenas estrada e mais estrada. A quase 60 km de pedaladas desde a saída de Carmelo é que chegamos a Dolores. 

Eu me sentia "seco" de hidratação e outros elementos, e sequer esperei chegar ao centro da cidade, pois quando vi um posto de gasolina, imediatamente parei; sabia que precisava de hidratação antecipada, mesmo sabendo que a poucos minutos já poderia estar almoçando. O Maurício chegou logo atrás e acabou concordando comigo. Bebemos refrigerante e comemos um salgado. Voltamos ao "normal", rs.

Desviamos da estrada e fomos ao centro da cidade para almoçar, e descansar abrigados do sol forte à sombra das árvores da praça da matriz. Era obrigação esperar o sol baixar um pouco para partir, sem pressa. 





Igreja de Dolores





Fizemos a outra metade do percurso de forma bem tranquila, chegando a Mercedes a tempo de passear pela Rambla (rua à margem do rio), que é bem bacana, e dá um charme especial à cidade.




















Cabe outro parênteses aqui, para falar da nossa decisão lá para trás, quando ainda estávamos perto de Montevideo. O Maurício, que havia feito a programação, percebeu que os trechos do final da jornada seriam longos e enfadonhos, com paisagens contínuas, sem grandes modificações que acrescentasse algo mais do que estávamos percebendo do país, pelo menos até Salto. Concordei. Assim, traçamos uma nova planilha, decidindo por ir pedalando até Mercedes, e de lá seguir de ônibus até Melo, cidade mais próxima ao Chuí, mas sem deixar de conhecer Salto, onde tem as famosas termas. E foi assim que fizemos.

Antes de seguir à Rambla, passamos pelo terminal rodoviário, e compramos passagens para Salto (260 km de distância), já para o dia seguinte, pela manhã. 

De noite percebemos um charme especial na praça central da cidade.







Deixando a cidade de Mercedes
Ao chegarmos a Salto fizemos a mesma coisa, ou seja, imediatamente, já que estávamos no terminal, procuramos saber de passagens para Melo. Ai tivemos algumas dificuldades, posto que não havia ônibus direto para lá, e apenas uma empresa fazia o transporte até Tacuarembó, cidade no meio do caminho. São 200 km entre uma cidade e outra. Essa empresa não tinha posto no Terminal e fomos procura-la pelas ruas da cidade. Estava fechada naquele horário e tivemos que voltar mais tarde, porém deu tudo certo e já tínhamos a certeza de podermos embarcar. Garantiram para nós que havia outra empresa que daria continuidade à nossa viagem até Melo.

Salto é uma cidade simpática, mas seu principal atrativo mesmo são as termas. A mais conhecida, mas talvez não a melhor, são a de Daymán (nome do rio que passa ao lado do complexo), e que fica a 10 km do centro. Primeiro passeamos pela cidade, de bicicleta é claro, para conhecer um pouco mais dos seus encantos.







Tiramos o dia seguinte para descansar por lá (a viagem de ônibus só no outro dia), indo até as Termas. Percorremos uma ciclovia de aproximadamente 5 km até o local, pelo que ficamos gratos com a preocupação da cidade com esse modal. 







Imagem da Padroeira do País, Virgen de Los Treinta y Tres Orientales



Foi bem bacana nossa estada nas piscinas de águas que variavam de 36 a 42 graus, vindas do subterrâneo, do Aquífero Guarani, como dizem os geólogos, e segundo anotações, foram descobertas após tentativas frustradas de encontrar petróleo a mais de 1000 de profundidade. Dizem, também, que tem propriedades medicinais, por isso a presença de muitos idosos por lá, como nós...


























 Almoçamos fora do parque, e conseguimos até tomar uma caipirinha bem brasileira, para depois ficar um pouco mais no sossego daquelas águas quentes, e voltar pedalando para a cidade, com tempo suficiente para visitar outros pontos, como a beira rio, onde se pode observar do outro lado, a cidade argentina de Concordia, que é um pouco maior que Salto.




A mais de 80 km de Salto ficam as termas de Arapey, também às margens do rio do mesmo nome. Pelas fotos que vi, parecem ser um pouco mais sofisticadas que a de Daymán, tendo um clube associado ao parque, e vários hotéis.


O outro dia foi reservado apenas para viajar de ônibus, primeiro de Salto até Tacuarembó, e depois de lá para Melo. Em Tacuarembó tivemos tempo de passear pela cidade, visitamos o museu do índio e do gaúcho. Chegamos a encontrar uma cicloturista inglesa, a Bárbara, que fazia uma viagem solitária entre o Pacífico e o Atlântico, e já havia percorrido até ali mais de 2500 km. Segundo ela, no começo da jornada contava com um amigo, que teve de voltar para casa, e ela continuou sozinha assim mesmo. Muito bacana o encontro.





















Só pernoitamos em Melo, e voltamos a pedalar, tendo como o primeiro destino desses últimos três dias, a cidade de Treinta y Tres. Grata surpresa o relevo que passamos a vislumbrar, com pequenos morros, muito diferente da região litorânea e ribeirinha, como tínhamos visto até então. Melo, por exemplo, já está a pouco mais de 100 metros de altitude, e no percurso subidos pouco mais, talvez até uns 250 metros, na região de Arbolito, para finalizar a 30 metros acima do nível do mar. Avistamos cerca de 20 torres de energia eólica enfileiradas no alto de um monte.












No ponto mais alto desses morros havia um mirante, onde paramos para vislumbrar a bela paisagem, que se perdia no horizonte por muitos e muitos quilômetros, e também para lanchar (compramos lanche em Melo). Dali se avistava um rio, que serpenteava pelo vale verdejante. Ainda a poucos metros dali, percebemos um mausoléu, cercado. Paramos, entramos no cercado pelo portão que estava apenas fechado, e não trancado, descobrindo que ali era um local de história. Tratava-se de um mausoléu que guardava os corpos de muitos combatentes, que lutarem pela independência do país, na conhecida Batalha de Arbolito. Ali morreu um dos líderes rebeldes, em março de 1897, "Chiquito" Saravia. Logo depois dessa derrota, e outras acumuladas em diversas batalhas posteriores, os rebeldes se entregaram, e em setembro daquele mesmo ano, acaba a Revolução Nacionalista e é elaborado o Pacto de Paz de La Cruz.





















 






















Depois disso veio a descida até perto do nível do mar, e a chegada a Treinta y Tres. Em todo o percurso até a cidade, nenhuma vila ou local para abastecer, apenas uma casa de policia, onde paramos para pegar água e bater um papo. Na entrada da cidade encontramos um ciclista local, que acabava de chegar de um treino pesado. Mesmo cansado se prontificou a nos acompanhar até o centro e indicar um Hotel para ficar (acabamos não ficando naquele, mas valeu o apoio). Teve oportunidade de dizer, com orgulho, que seu pai já viajou de bicicleta até o Rio de Janeiro e São Paulo. Bacana isso. Descobrimos mais tarde, que há tradição mesmo no ciclismo aquela região.

Sem muito o que fazer na cidade, apenas fizemos uma boa refeição, a poucos metros de nossa hospedagem, e descansamos para continuar a jornada. Nesse dia fizemos 113 km, e a previsão era de mais 70 km para o dia seguinte, até Lascano.

De manhã partimos, não sem antes passar pela praça principal, logo ao lado, onde fica uma pequena igreja matriz, e um marco especial de homenagem aos Treinta y Tres Orientales. Orientais porque eram homens oriundos da margem esquerda do rio da Prata e rio Uruguai, com ideias de libertação, que partiram em abril de 1825, comandados por Juan Antônio Lavalleja, da região de Buenos Aires, e do lado oriental desembarcaram e fincaram a bandeira de três listas horizontais, em azul, branco e vermelho, com a escrita no meio "Libertad o Muerte". É claro que a coisa não foi tão simples assim, e é preciso aprofundar na história, que não vem ao caso agora, mas a verdade que essa expressão "Treinta y Tres Orientales" é observada por todo o Uruguai, com nome de ruas, praças e monumentos; talvez só perca para o grande general Artigas. Esse está em todo lugar, mas é outra história...

Passamos por um supermercado para comprar o nosso lanche, coisa que decidimos fazer por precaução e que resultou em boa ideia, e depois fomos para a estrada, passando por um parque municipal, que para nossa surpresa, estava com parte das ruas fechadas para uma prova ciclística de velocidade. Era um circuito curto e foi possível ver o pelotão indo e voltando algumas vezes. Outro momento legal que registramos. Já na estrada também cruzamos com ciclistas treinando de speed. Durante toda a nossa viagem até ali já tínhamos visto muitos ciclistas, porém poucos cicloturistas.
























José Pedro Varela

Foi um pedal bem prazeroso até Lascano. Não os primeiros 30 km, quando pedalamos contra o vento até a pequena José Pedro Varela. Paramos na rotatória da entrada da cidade, e ficamos abrigados do sol embaixo de umas árvores, para nos refrescar e tomar um pouco de refrigerante que carregávamos. A partir dali sim, quando deixamos a Ruta 8 e passamos para a 14, à esquerda, as coisas melhoram; o trecho não tinha mais subidas e o vento passou a bater de lado, sem prejudicar as pedaladas, sem contar que o movimento de carros quase zerou.






















Na vila Averías, às margens do rio Cebollati, paramos num quiosque para hidratação (antes já havíamos parado para comer nossos sanduíches). Ali o verde era mais abundante e em seguida, logo após atravessarmos a ponte sobre esse rio, passamos por um retão, com campos alagados, produção de arroz, região de muitos pássaros, que nos deixaram encantados. Outra grata surpresa para nós, pois percebemos belezas diferentes naquele país.






































Lascano é uma cidade bem pequena, de pouca estrutura, mas mesmo assim conseguimos um pequeno, simples, mas bom hotel para descansarmos (acredito que era o único do lugar). Quando chegamos, por volta das 14:30, a cidade parecia fantasma, mas de noite, quando fomos à praça fazer um lanche (não havia restaurante), muitas famílias descansavam, conversavam, e crianças brincavam em seu entorno, trazendo muita vida ao local. Até um cachorro me adotou por algum momento...


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Chegava, enfim, o último dia de pedaladas pelo Uruguai, porque a menos de 90 km dali já chegaríamos novamente a Chuy (UR), ou Chuí (BR), como dizemos do lado brasileiro. Foi um dia tranquilo, com uma parte de vento lateral, depois ficou contra, mas estava tudo dando tão certo, paisagem muito plana, bacana, novamente com muitas aves, que nem ficamos incomodados. Até um tatu deu o ar da graça.


















Passamos por uma pequena área verde, atravessamos um pequeno monte (no alto fica o Fuerte São Miguel), com um rio na parte baixa, que alimenta a lagoa Mirim, perto da vila de Dieciocho de Julio.  A partir dali, a rodovia, nos seus últimos sete quilômetros, serve de divisa entre os dois países.













Por volta das 13h30 chegamos ao nosso destino final. Ainda tivemos que pegar um trecho da estrada de saída da cidade para carimbarmos nossos passaportes, e depois foi só comemorar. O resto do dia aproveitamos para fazer umas comprinhas no Free Shopp, porque já no dia seguinte, uma terça-feira, dia 27, já estaríamos retornando de carro para nossas casas em Curitiba. Resumo: 1.100 km de pedaladas pelo Uruguai.






Tenho que agradecer ao Maurício, não só pelo convite, mas também pela excelente companhia nessa jornada. Por incrível que pareça, tudo deu certo para nós; estávamos afinados em todas as tomadas de decisão. Nossas bicicletas suportaram bem, e não apresentaram qualquer problema (nem pneu furou). O Maurício, depois da metade da cicloviagem, mudou sua tática de levar a mochila nas costas, e aceitou meus argumentos e minha ajuda (forneci uma "aranha"), e a prendeu no bagageiro da bicicleta, terminando com o seu tremendo desconforto. Mais uma viagem inesquecível. Será que voltarei? Olha, levando em consideração que a Carmo não pode vir, tenho quase certeza que sim...

Obrigado. Abraços e boas pedaladas.