quinta-feira, 25 de outubro de 2012

MILÃO



MILÃO

Últimos dias de pedal pela frente. Até poderíamos seguir numa jornada só até Milão, mas não seria prudente chegar à cidade no final da tarde, atravessá-la inteirinha, para do outro lado, no bairro de San Siro, encontrar o Albergue. Vale lembrar que pensamos ter mais 150 km a percorrer. Preferimos sair o mais cedo possível, para depois pernoitar em qualquer localidade próxima do destino final. Foi o que fizemos; cedo iniciamos a pedalada, continuando por estradas secundárias totalmente planas, com tempo bom e vento a favor. O melhor deste trajeto era o visual: primeiro pelo lago de Garda, não muito distante de Verona, e outro lugar importante de veraneio dos italianos; agora, em baixa temporada, pouco movimento, mas sua beleza continua lá. Na cidade de Pescheira, à beira do lago, existe uma ponte com arcos, antiga, muito bonita; outro eram os Alpes, sempre a nossa direita, a todo o tempo era possível vislumbrá-lo. Em 2007 cruzamos os Alpes naquela região, e deixou saudades.

Interessante foi atravessar dois compridos, e intermináveis para nós, túneis durante o trajeto. O primeiro deveria ter quase 3 km, e o outro, vimos uma placa antes, indicando que tinha 1,25 km. Diferente, mas muito tenso. Pedalar na estrada, sem acostamento, já é complicado, imagina fazer isso dentro de um túnel, com um barulho infernal, pouca iluminação e algumas poças de água, com um barro que lembrou um passeio de ciclo turismo na região da serra de Itaiópolis, alto vale do Itajaí, em Santa Catarina. Pela primeira vez as bicicletas viram água; tadinhas.

Como é difícil ficar tranquilo o tempo todo, tinha que aparecer uma situação de suspense. Depois de pedalar por 70 km, em estrada estadual, de repente nos vimos em um entroncamento, com viadutos e estradas para um lado e para o outro; seguindo a orientação das placas fomos em frente. Não andamos muito e começaram a buzinar para nós, carros e caminhões, fazendo gestos com a mão indicando que não era permitida bicicleta naquela pista. Tentamos imaginar onde erramos, onde deveríamos ter dobrado à esquerda ou direita para não entrar naquela situação. Passamos por um viaduto, no final do cruzamento, e, numa entrada lateral, percebemos um carro de polícia (olhem eles aí de novo!). -Ai, ai, sabe de uma coisa? Vamos até eles desta vez; não vamos esperar ser abordado. Disse eu à Carmo, e já seguindo desmontado, até os policiais, que no momento faziam uma blitz.

De pronto avisamos que sabíamos que não deveríamos percorrer aquela estrada, e pedimos informações para saber como sair dela. Até que os policiais foram gentis, mas estavam inconformados de estarmos lá. Conversaram entre eles, mas como falavam em italiano, um pouco compreensível para nós, entendemos que deveríamos “puxar o verde”, ou seja, sair pelo mato mesmo. Percebemos também, um certo constrangimento deles em fazer com que fôssemos pelo mato, tanto é que um deles apontava a linha do trem, como se pensasse: “- Por onde eles vão?” Depois de confabularem, nos apontaram uma estrada mais para frente, talvez uns 2 km, à direita, onde até percebíamos a movimentação de carros. Disseram para pegar aquela estrada. Oba! Vamos poder ir pela estrada pelo menos esses 2 km, pensamos. Montamos nas bicicletas e nem demos a primeira pedalada. Apitaram e gritaram: – Ei, ei, pelo mato, pelo mato. Fazendo gesto com a mão. Então tá.

Tinha um milharal já colhido, e seguimos pelo carreiro da plantação, fazendo zig zag, e, felizmente, não precisamos atravessar a linha do trem, porque depois de um tempo empurrando as bicicletas, vimos um pequeno carreiro de trator e fomos quase paralelos à estrada, mas à distância, até encontrar um senhor que estava no meio do mato, acredito que limpando alguma coisa na terra. Tinha lama no caminho, e, pela primeira vez no passeio, as bicicletas viram lama; tadinhas de novo. Ele nos disse para seguirmos pelo carreiro, pegar uma pequena estrada, virar para lá, virar para cá, segue ali e acolá (sinistro e destro e tal). Não é que conseguimos pegar o caminho de Brescia, uma bela cidade praticamente no meio do caminho até Milão.

Chegando a Brescia, aproveitamos para fazer um bike tour e conhecer um pouco de sua historia, e os principais locais preservados da antiguidade, inclusive um prédio com colunas, que chamam de Capitólio também, e que possui escavações recentes e sinais de reformas.

O tempo, com isso, passou rápido, e atrasou um pouco nossas expectativas. Aproveitamos o horário de almoço e fomos comer alguma coisa. No final da tarde, ainda pedalando por estradas secundárias (SS 11), passamos por Ospitaletto, Rovato, Cocagglio e Chiari. Percebemos que era hora de parar, e quando chegamos ao centro da pequena vila de Chiari, depois de 100 km rodados, descobrimos que não encontraríamos local para o pernoite; os hotéis que havia estavam fechados. Perguntamos para algumas pessoas e a única opção que nos deram, pelas redondezas, seria um Hotel (Touring), mas teríamos que voltar pelo menos 5 km até Cocagglio. Fizemos isso.

Chegando ao Hotel percebemos um problema maior: 4 estrelas. “Tamo ferrado!”. A Carmo mais uma vez foi “espontaneamente” até o balcão de atendimento, “linda, maravilhosa e cheirosa”, depois de 119 km de pedal. Voltou depois com “boas” notícias, pois havia um “quarto econômico” para nós. Não tivemos outra opção mesmo, e aceitamos a “pechincha”. Não tenho falado muito sobre valores desta viagem, e é de propósito. Quando voltarmos explico melhor, mas só para dar uma ideia, a gente fez um cálculo de quantos euros iria gastar por dia, fazendo com que uma coisa fosse cara ou barata dentro das nossas expectativas, sem converter para o real, senão é “sofrimento” na certa. Cada um sabe o tamanho de seu bolso, então é preferível não citar valores em alguns casos. Para fechar esse assunto, gastamos entre 15 e 42 euros por pessoa, por dia, com hospedagem.

Demos um monte de risada sobre o assunto Hotel, pois o quarto “barato” tinha de tudo. Quando o funcionário galã nos levou até o quarto, sem carregar nada de nossos “bagulhos”, fiquei imaginando que eu teria que dar alguma gorjeta, certo? Imaginando somente, porque na prática, disse um muito obrigado, em italiano. Ora, se eu estava em quarto “econômico” era porque não tinha muito dinheiro para gastar...

Finalmente chegou o último dia da cicloaventura. Sábado, dia 20 de outubro de 2012. Foram tranqüilos 80 Km (acima dos 150 km previstos, somando os dois dias). Dia bonito, sem muito frio, perfeito para pedalar. Passamos por Chiari de novo; depois Antegnate e Mozzanica. Logo, ao longe, avistamos a cúpula de uma grande igreja, e percebemos tratar-se do Santuário de Nossa Senhora de Caravaggio, e que estava apenas 500 metros saindo à direita da estrada. Pegamos a estradinha em sua direção. Foi um momento singelo e emocionante. Quem me conhece sabe que não sou um cristão fervoroso, mas tinha uma atmosfera no ar, que não sei explicar. Fiquei cuidando das bicicletas, para a Carmo entrar e rezar um pouco. Resolvi ligar a câmera e filmar esse momento, mas não aguentei narrar muito tempo e as lágrimas vieram. Acho que era uma mistura de emoções, e tinha o direito de chorar. A Carmo chegou e nos abraçamos fraternalmente. Momento de agradecer pela felicidade de termos todas as condições possíveis e necessárias para realizar essa viagem; da proteção que recebemos e do carinho e apoio daqueles que ficaram no Brasil torcendo, acompanhando e rezando por nós.

Voltando para a estrada, deixei de propósito a Carmo para trás, deixando apenas ao olhar, e curtimos nosso momento sozinho de introspecção. Continuei pensando em toda a jornada, na família e amigos e lá se foram alguns quilômetros de emoção.

De lá foi um pulo até Milão. Bastou passar por Rivolta d’Adda, Truccazano, Liscate e Novegro e lá estava ela, a bela Milão. Longos quilômetros até chegar ao centro e, principalmente, ao Duomo. Começo da tarde e a multidão de moradores, turistas, ambulantes, pombas e mais um monte de coisa, inclusive um protótipo do Trem Bala italiano, estavam por lá. Comemoramos sozinhos e com emoção esse momento. Mais de 2000 km percorridos, oito países, sete capitais; línguas diferentes, moedas diferentes e costumes diferentes. Paisagens variadas, de campos a montanhas, de ciclovias a estradas.

É preciso agradecer às nossas incansáveis companheiras bicicletas. MTB Giant/26 de alumínio, robustas; conjunto Shimano Deore e pneus 1.5, que apenas receberam um pequeno “gás” aos 600 km, e não furaram nenhuma vez. Só usei ferramenta uma vez, e foi para emprestar a um jovem ciclista, que pediu ajuda no caminho, na região do rio Elba.

Agradecimento geral a todos que acompanharam de perto nossa aventura e torceram pelo nosso sucesso, e, finalmente, à Maria do Carmo, que mais uma vez aguentou firme sem reclamar os trechos pesados que passamos. Foi muito forte, corajosa e companheira. Deixou para mim a tarefa de escrever os relatos, e acabei usando e misturando a primeira e terceira pessoas nos textos. Ela garante que pessoalmente contará a todos esses momentos maravilhosos que tivemos.

http://www.youtube.com/watch?v=aOLSkybXwgc&feature=relmfu (link do filme que fiz no Santuário Nossa Senhora de Caravaggio)

Abraços a todos e até a próxima cicloaventura.

Ponte de Arcos em Peschiera Garda

Lago de Garda

Lago de Garda

Tinha túnel no caminho

Tinha milharal e estrada de chão no caminho

Tinha lama no caminho

Entrando na cidade de Brescia

O "Capitolium" de Brescia

Rovato/Cocagglio

Santuário Nossa Senhora de Caravaggio

Chegando a Milão

Aluguel de bicicletas, comum nas cidades européias (Milão)

Comemoração da chegada em Milão


Duomo de Milão



(P.S.): Continuarei atualizando o blog com algumas fotos, filmes e outras informações.

4 comentários:

  1. Suspenses, suspenses! Sergio, Carmo, EUR 42 por dia é arriscado na Itália. 42 é só almoço compartilhado ainda. Abraço

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  2. Isso aí Paulo. Valeu! Obrigado. E agora preciso contar as histórias pessoalmente, kkkkk. Abraços

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  3. Parabéns Sérgio e Carmo, pela viajem e pelos relatos!

    Tuquinha

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  4. Obrigado Tuquinha. Sei que vc estava este tempo todo agitado com as aleições, e bom que sobrou um tempinho para nos acompanhar. Quando vierem a Curitiba, não deixem de nos procurar. Abraços

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