sexta-feira, 24 de maio de 2013

LAGAMAR


LAGAMAR
20 a 23 de maio de 2013

Na segunda-feira, dia 20, às 13h00, pegamos um barco de linha do DERSA, aqueles amarelos, de ferro, com capacidade para mais de 100 pessoas. Nosso destino era Marujá, ainda no estado de São Paulo, na ilha do Cardoso. O passeio pelo Lagamar é lindo e já havíamos feito antes, mas o que chamou a atenção foi o preço cobrado: R$ 45,00 por pessoa. Parece normal, pois é uma jornada de 35 km pelos canais. Ocorre que este é o preço cobrado para turista; o “local” paga apenas R$ 6,00. Coloco em discussão essa questão. Será que é correto isto? Nós somos diferentes? Ocupamos mais espaço? Sei lá? Não gostei. A justificativa do funcionário público que atende na embarcação, o André, é de que em certa época tem mais turista que “local” e eles acabam ficando sem espaço (?????).

Chegamos depois de duas horas e meia de navegação, e fomos surpreendidos pela falta de opção para pernoitar. Existem várias pousadas, todas muito simples (não há energia elétrica ainda), mas como não é alta temporada, muitas fecham e outras rejeitam hóspedes. Finalmente conseguimos um local para nos instalar. Aproveitamos o restante da tarde para passear pelo pitoresco local e ainda curtir o por do sol.

No dia seguinte, terça-feira, pegamos o lado da praia, com a maré subindo lentamente, seguindo rumo sul em direção ao Paraná, mais precisamente Superagui. Para tanto era preciso conseguir um barco para atravessar a ponta do Ararapira. No pontal da ilha do Cardoso, depois de pedalarmos por 14 km, encontramos um senhor, pescador, que lamentou por nós o fato de que todos os barcos do lugar estavam fora, no mar aberto, ou até mesmo em Cananéia.

Realmente ficamos preocupados, pois teríamos que esperar a sorte bater e aparecer um pescador para nos atravessar o canal até o outro lado. O citado pescador chegou a afirmar que o seu filho estaria recolhendo rede por ali, virando o canal, e era “só” acenar para ele que ele nos pegaria. Virando o canal não vimos nenhum barco, e a tensão aumentou. Digo isto porque sabíamos que a praia Deserta, em Superagui, tem mais de 25 km, e a maré, como disse, estava subindo, e teríamos que mudar os planos.

A ideia foi largar as bicicletas e começar a acenar, ajudados por nossas jaquetas, coloridas, para que alguém nos visse do lado do Ararapira, que pertence ao Paraná. Depois de alguns minutos, avistamos uma voadeira deixar o trapiche do Ararapira e vir para o lado da saída do canal; gritamos e acenamos ainda mais, e estávamos certos que seria a carona ideal. Mas foi tudo em vão, pois a lancha logo mudou o curso e seguiu para dentro do canal, em direção a Cananéia. Percebi que este movimento era necessário, pois havia um banco de areia naquela região, que não permitia a navegação direta para o norte.

Já estávamos pensando num plano “B”, quando percebemos outro barco, desta vez de pescador, fazendo o mesmo curso. Cruzávamos o dedo e acenávamos. A Carmo, mais ansiosa do que eu, gritava; eu dava risada, porque sabia que o pescador não a escutaria, pois o barco faz um barulho danado (tu tu tu tu tu...), e a distância, somada ao vento, tornaria isso impossível. Felizmente o abençoado jovem pescador Claudinei viu nossos acenos e nos atravessou para o outro lado.

Seguimos felizes e tranquilos até a vila do Superagui, pelas areias da praia Deserta, com a maré quase no alto. Instalados na pousada, começamos nosso período programado de descanso total, largando as bicicletas de lado. Passamos a quarta e quinta-feira fazendo nada, no sossego da aconchegante ilha.
Já hoje, dia 24 de maio, sexta-feira, pegamos o barco de linha para Paranaguá, às sete da manhã. Vejam outra situação similar à anterior: o barco, particular, cobra dos “locais” R$ 12,00, e para nós turistas, R$ 25,00. Caso fosse justa essa cobrança diferenciada, então lá em Cananéia poderia ser cobrado o dobro, ou seja, R$ 12,00. O transporte das bicicletas não é cobrado.

Para saber mais sobre o Lagamar, a revista SuperInteressante trás este texto especial e completo, que vale à pena ler:

 
"Na lista dos paraísos ecológicos brasileiros, não faltam unanimidades como a Floresta Amazônica, o Pantanal, o Arquipélago de Fernando de Noronha ou a Mata da Juréia, em São Paulo. Dificilmente, porém, alguém se lembraria de incluir nesta listagem uma faixa costeira de 200 quilômetros, entre os municípios de Iguape, em São Paulo, e Paranaguá, no Paraná, conhecida pelo estranho nome de Lagamar. Em 1991, no entanto, quando a Unesco decidiu fazer da Mata Atlântica nos dois Estados a primeira Reserva da Biosfera brasileira, o Complexo Estuarino-Lagunar de Iguape-Paranaguá — seu nome científico — acabou ganhando um lugar no seleto grupo de santuários ambientais. E, embora ainda não seja uma pérola dos ecologistas, somando-se seus dotes aos da floresta que o envolve, juntos eles concentram o que alguns biólogos consideram uma das mais ricas biodiversidades do país.
Entender a receita que produziu essa fabulosa variedade de vida também não é difícil. Basta pegar uma mata tão verdejante quanto a Amazônica, adicionar os terrenos alagadiços do Pantanal, salpicar uma quantidade de ilhas maior que as de Fernando de Noronha e povoar tudo com bichos raros da Juréia. Resultado: Lagamar, uma mistura de ecossistemas tão diversos quanto florestas tropicais de planície e montanha, manguezais, lagunas, braços de mar, baías, dunas e praias. Cada um desses habitats povoado por plantas e animais não só típicos, mas muitos endêmicos.
Quem entra pela primeira vez no coração verde dessa região litorânea tem a sensação de estar atravessando um túnel do tempo. E a impressão tem um fundo de verdade. Durante séculos, o Lagamar permaneceu praticamente intocado pelo homem, em parte graças aos contrafortes da Serra da Graciosa, em parte pelo dossel compacto da Mata Atlântica, que o envolve desde a serra até o Vale do Ribeira.
Apesar de espremido entre o porto paranaense, Paranaguá, e as praias paulistas do litoral mais cobiçado por empreendimentos turísticos, a natureza sobreviveu incólume, tanto na terra quanto no mar. “O Lagamar é o berçário do Atlântico Sul”, garante a oceanógrafa Yara Schaeffler Novelli, da Universidade de São Paulo (USP). “Em suas águas se reproduzem diversas espécies de peixes e crustáceos, garantindo a sustentação de uma fabulosa cadeia alimentar marinha.” Hoje, pesquisadores estimam em mais de uma centena as espécies de caranguejos, camarões e peixes que utilizam a região para reprodução.
Em terra, onças, capivaras, tamanduás-mirins, macacos muriquis — os maiores das Américas — convivem com animais endêmicos e ameaçados de extinção, como o papagaio-cara-roxa (Amazona brasiliensis) e o precioso mico-leão-caiçara (Leontopithecus caissara). Mas estas não são as únicas espécies em risco encontradas no Lagamar. Lá também vivem o jacaré-de-papo-amarelo e a quase esquecida ariranha-de-planície (Pteronura brasiliensis), parente distante da lontra considerada extinta na Região Sudeste.
A fartura de maravilhas naturais dos 6 000 quilômetros quadrados do Lagamar permaneceu quase ignorada até pouco tempo atrás. A atenção dos biólogos só se voltou para lá quando encontraram uma nova espécie de mico-leão. “Desde então, um número crescente de pesquisadores trabalha na área, trazendo à luz novas revelações”, afirma a bióloga Guadalupe Vivecananda, diretora do Parque Nacional do Superagui, criado pelo governo federal na ilha do mesmo nome em 1989.
Os dados sobre a biodiversidade do Lagamar ainda são preliminares, mas já foram catalogadas até o momento mais de 300 espécies de pássaros. Na floresta, vivem pelo menos 21 mamíferos de grande porte. Quanto aos répteis, anfíbios e insetos, são tantos e tão diferentes que mesmo estudiosos como a zootecnista Márcia Rodrigues, do Instituto de Biociências da USP, admitem não saber identificar todos. “Estamos apenas começando, mas tenho certeza que novas pesquisas vão ampliar muito o nosso conhecimento sobre o número de espécies que habitam a região”, diz ela.
O Lagamar não foi sempre esse paraíso. Até cerca de 12 000 anos atrás, ao fim da última glaciação, a maior parte dele era fundo do mar, inundada pelas águas do oceano. O solo arenoso guarda vestígios dessa época: as manchas brancas que podem ser vistas em meio ao verde da vegetação que beira o mar são na verdade terraços marinhos do passado, restos de conchas acumulados em milhares de anos.
Mais intrigantes ainda são os sambaquis, ou casqueiros, reservatórios parecidos com os deixados pelo mar. A diferença é que eles foram criados pelo homem e acabaram levando para o Lagamar arqueólogos interessados na cultura perdida dos conchófagos.
Talvez tenham sido estes estranhos homens as primeiras testemunhas humanas a pôr os olhos na paisagem que emergiu das entranhas do oceano. Provavelmente, na época o mesmo conjunto de ilhas e ilhotas que ainda hoje caracteriza a região. Algumas se renderam à ocupação humana e sustentam cidades com até 28 000 habitantes, como a Ilha de Iguape e a de Cananéia. Muitas outras, porém, permanecem quase intocadas, como a Ilha do Cardoso, a Ilha do Mel e a Ilha das Peças.
As ilhas são o segredo da fertilidade do Lagamar. É da interação entre o complexo estuarino-lagunar, a Mata Atlântica e o mangue que surge o equilíbrio da vida na região. A convivência entre os três funciona como uma espécie de filtro, voltado basicamente para a preservação dos manguezais. “Embora a Mata Atlântica não dependa dos demais para sobreviver, sem ela os outros dois já teriam sucumbido”, conta o geógrafo e ecologista Aziz Ab’Sáber, um paulista de 69 anos que acaba de ser empossado na presidência da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC).
A mata se incumbe de reter a areia que, se as encostas fossem nuas, desceria em direção ao mar e, com isso, faz prevalecer no mangue o solo de aspecto lodoso, composto por argila, altamente nutritivo para a vegetação leve, de raízes suspensas, dos manguezais. “Essas condições, porém, não seriam suficientes para formar um mangue. É aí que surge a importância do complexo estuarino-lagunar”, revela Aziz. Manguezais são ambientes híbridos, que não podem ser caracterizados nem como marinhos, nem como continentais. Sem a invasão do mar, portanto, eles simplesmente não existiriam. Mas também sem o dique de ilhas, os mangues seriam varridos pela força do oceano.
Enfileiradas ao longo da costa, as ilhas funcionam como uma barreira natural, obrigando o mar a contorná-las e entrar mansamente pelas frestas. Lá dentro, ele encontra o desaguar de dezenas de rios e córregos e se integra no lodaçal, numa mistura salobra que domina as margens de canais e lagunas de uma das maiores áreas contínuas de mangue do país.
É nas lúgubres regiões de manguezal, com suas árvores retorcidas, pouco oxigênio e muito mosquito, que a matéria orgânica trazida pelos rios se decompõe. Associada ao material fornecido pela vegetação local — folhas e galhos secos —, essa mistura se transforma num caldo rico em proteínas, base da cadeia alimentar não só da fauna marinha, como também de aves como o atobá, a fragata, a garça, ou mesmo do homem, representado no santuário ecológico pelas ralas comunidades de pescadores caiçaras.
Por causa de sua biodiversidade e seus mistérios, o Lagamar está se transformando na nova meca dos pesquisadores da natureza. O primeiro estudioso, porém, chegou lá bem antes, em 1554. Em sua segunda viagem ao Brasil, o cronista alemão Hans Staden vinha na expedição do nobre espanhol Don Diogo de Senabrica quando uma súbita tempestade os fez naufragar, lançando-os na costa de Superagui. Staden aproveitou a ocasião e desenhou, num pergaminho, o primeiro mapa da Baía de Paranaguá. De lá para cá, o Lagamar sofreu poucas mudanças. Com suas pesquisas, os ecologistas lutam agora para que ele continue sendo, no futuro, o mesmo paraíso que Staden conheceu há 439 anos."
 

Pegamos a BR 277 e nos dirigimos até Morretes para pernoitar. Agora só resta subir a serra para acabar nossa aventura. Temos três opções: subir pela 277, pela Graciosa ou de ônibus, caso esteja chovendo. De qualquer forma estaremos em Curitiba amanhã, dia 25 de maio de 2013. 

Lagamar em Cananéia



Marujá




Marujá










Deixando Marujá




Atravessando o canal do Ararapira




Na Ilha de Superagui




Na trilha do Superagui até a Praia Deserta




Praia Deserta (literalmente)


Paranaguá


Sossego em Morretes





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